Existe uma infinidade de projetos de conservação ao redor do mundo. Pessoas, grupos e organizações que fazem malabarismo para contribuir com seus grãos de areia e ajudar a preservar a biodiversidade. Se certamente há projetos ao seu redor que você nem conhece, imagina em outros países.
Neste post queremos que você viaje para o Brasil, especificamente para Mato Grosso do Sul, um estado localizado no sudeste do país e que faz fronteira com Paraguai e Bolívia. Perto da capital do estado, Campo Grande, encontramos o Instituto Arara Azul. Localizado? Bem, então vamos!
O Instituto Arara Azul é uma organização não governamental brasileira, de direito privado e sem fins lucrativos, cujo principal objetivo é promover a conservação ambiental. Este Instituto desenvolve projetos de proteção ambiental, como o Projeto Arara Azul (iniciado há 30 anos no Pantanal), com a finalidade de encontrar e preservar as populações de arara azul (Anodorhynchus hyacinthinus) viáveis na natureza. Encontramos também o Projeto Aves Urbanas - Araras na Cidade, que está obtendo excelentes resultados em Campo Grande.
O que é o Pantanal?
O Pantanal é nada menos que uma das maiores planícies inundáveis do mundo. É um local de transição entre a Amazônia e o Cerrado (savana). Na estação chuvosa (outubro-abril) 65% do território (aproximadamente o tamanho de Portugal) torna-se pantanosa. Dá para imaginar?! Tudo isso, junto com a influência exercida pelos biomas ao seu redor, (Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica) faz dele uma área de grande diversidade de paisagem e espécies. Além disso, embora apenas 4,6% seja protegido por áreas de conservação, ele ainda mantém 80% da cobertura vegetal nativa. Isso não significa que não haja um grande impacto da ação humana, especialmente pelas atividades agrícolas, como afirma o Ministério do Meio Ambiente.
Uma triste notícia 😥 é que no mês de julho de este ano (2020), o Pantanal registrou o maior número de incêndios dos últimos 20 anos. Desde o início de 2020, o bioma perdeu mais do 17% da vegetação (2,63 milhões de hectares) e os especialistas temem o efeito das queimadas sobre as várias espécies, especialmente na arara azul.
Últimas notícias: parece que as araras são resilientes e estão conseguindo sobreviver aos incêndios, logo é possível que elas se mantenham a longo prazo. Não é incrível?! 😁
Arara Azul
O arara azul grande ou guacamayo jacinto (Anodorhynchus hyacinthinus) é uma ave psitaciforme (família das araras, cacatuas e papagaios) encontrada em grande parte do Brasil e em uma pequena parte do oeste da Bolívia e do norte do Paraguai. Atualmente, ele é listado mundialmente como Vulnerável de acordo com a IUCN RedList.
Esses pássaros têm uma plumagem índigo, que contrasta com a cor amarela ao redor dos olhos e do bico, criando um contraste muito marcante. Eles podem pesar 1,3 kg e ter uma envergadura de 140 cm, o que a torna a maior arara do mundo.
Têm hábitos principalmente diurnos e se alimentam de castanhas de palmeiras, geralmente em grupo como uma forma de proteção. São animais monogâmicos, ou seja, quando formam o casal, elas só se separam quando um dos dois morre. A maioria dos casais se reproduz todos os anos
👆Uma curiosidade: a fêmea coloca um primeiro ovo e após 3-5 dias (mas que pode chegar a 30 dias) coloca o segundo. A diferença de idade desses filhotes faz com que a sobrevivência do segundo seja muito menor.
Como para a maioria das espécies no mundo, as principais ameaças da arara são o desmatamento, o tráfico ilegal e a caça para uso artesanal.
Arara azul pousada em galho no Pantanal de Perigara. Fotografia de Edson Diniz. |
Parece que essas aves conquistaram o coração da Dra. Neiva Guedes, presidente do Instituto Arara Azul, e é por meio dela que aprendemos um pouco mais sobre essa arara e o instituto que leva seu nome.
Conhecendo o Instituto Arara Azul: Entrevista à Dra. Neiva Guedes
Qual é o objetivo do Instituto Arara Azul? Quais resultados foram obtidos até agora e o que seria necessário para continuar a atingir seus objetivos?
A missão do Instituto Arara Azul é:
“Promover a conservação da biodiversidade, buscando o uso racional dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida.”
Isso é feito por meio de projetos como o Projeto Arara Azul e o Projeto Aves Urbanas - Araras na Cidade. Após 30 anos do projeto, grandes resultados já foram observados, como o aumento da população da espécie no Brasil (em 2014, a arara azul foi retirada da lista de animais ameaçados de extinção no Brasil, ICMBio, graças aos resultados do Projeto), um aumento da conservação da biodiversidade na área do Pantanal, além de servir como referência na área de pesquisa dessas espécies no mundo. Por sua vez, projetos como o Aves Urbanas-Araras na Cidade, têm permitido a promoção e a motivação de políticas públicas de proteção dessas espécies, ao estabelecer a arara canindé (Ara ararauna) como pássaro-símbolo do Município de Campo Grande.
Não esqueçamos da protagonista do projeto, a arara azul. Por que a arara? O que faz a arara especial e importante?
Em 1989, estava fazendo um curso de conservação da natureza e vi uma árvore com algumas araras azuis pousadas. O professor que nos acompanhava disse que elas estavam ameaçadas de extinção. Então eu saí daquele momento dizendo para todos que iria a estudá-las para que não acabassem. Sempre digo que foi paixão à primeira vista. Elas são tão lindas que acreditam que as pessoas deveriam poder ir ao Pantanal para vê-los livres e voando na natureza. Não gostava da ideia de que fossem mantidas em cativeiro, como outras espécies que estavam desaparecendo na época. Logo no começo dos meus estudos, utilizo-as como uma espécie bandeira para a conservação do Pantanal como um todo.
Araras azuis na Fazenda de São Francisco de Perigara. Fotografia de Neiva Guedes. |
Como é realizado o monitoramento das araras? Que tecnologias são usadas e em que consistem?
Durante o período de reprodução, especialmente no Pantanal de Miranda, onde temos nossa base de pesquisa desde 1998, temos uma equipe constantemente. Diariamente, eles saem pela manhã e escalam nas árvores para ver a postura dos ovos, acompanhar o nascimento e o desenvolvimento dos filhotes até voarem. No período não reprodutivo, a equipe faz o manejo, recuperação dos ninhos e ou troca de ninhos artificiais.
Uma técnica de conservação psitacídeos é geralmente a translocação de ovos/filhotes. Vocês já fizeram algum? Em que consistiu?
Fizemos como experimento no começo do século. Hoje já não fazemos translocação. Queríamos saber se as araras adotam os filhotes de outros pais e sim, elas os aceitam. Queríamos responder a esta pergunta para ver se poderíamos usar essa técnica, se for necessário. Felizmente, até agora não foi necessário, ficamos só com os testes experimentais no início do século. Hoje, focamos apenas no monitoramento de ovos, filhotes e araras adultas. Quanto aos ninhos, fazemos manejo (reforma) e troca ou instalação de ninhos artificiais.
Como vocês conseguem financiamento para estas ferramentas/projetos? São realizados estudos e publicações nesses sentido? A organização está aberta a colaborar com outras entidades, ou estaria disposta a fazê-lo, principalmente respeito à participação de estudantes (TCCs, dissertações, teses...)?
O apoio financeiro dos projetos de pesquisa e conservação da Instituição são oriundos da Política de Patrocínio da instituição (física e jurídica); campanhas, produtos de sustentabilidade (serviços). Em relação aos TCCs, dissertações e teses são sempre bem-vindas. Além disso, trabalhamos muito com parceiros. Dessa forma, o pesquisador interessado que tem uma ideia ou projeto entra em contato conosco e, se tivermos condições de trabalhar juntos, o fazemos. Geralmente, ajudamos nas coletas de campo, pois temos a experiência e materiais para monitorar dezenas de ninhos. Até agora, dezenas de trabalhos científicos de mestrado e doutorado foram feitos dessa forma.
A organização está envolvida na educação ambiental (ou seja, o turismo ornitológico é uma fonte de renda/consciência social, apresentação em escolas)?
Sim, são desenvolvidas Oficinas de Educação Ambiental para diferentes públicos, especialmente com estudantes. Outras atividades, como palestras, estande em eventos, divulgação na mídia e redes sociais, visam a sensibilização e conscientização de diferentes públicos no processo educativo. Além disso, o turismo de observação do Instituto é um dos produtos oferecidos, que recebe turistas e grupos de estudantes. Se você quiser saber um pouco mais sobre nosso trabalho, o vídeo WAP (World Animal Protection) mostra toda a atividade desenvolvida pelo Instituto. Aqui o deixo👇.
Em que consiste a campanha Adote um ninho? Como podemos nos envolver?
A Campanha Adote um Ninho envolve os padrinhos na adoção de ninhos (artificiais e naturais) no Pantanal. O patrocinador contribui com uma quantia financeira anual e recebe importantes bônus.
👉Se você quer se tornar um padrinho, pode participar da campanha, mas precisa de dois requisitos: ter mais de 18 anos e amar a natureza. Em troca, você recebe um kit de boas-vindas, uma foto exclusiva, um breve relatório periódico e a oportunidade de batizar um filhote nascido em seu ninho patrocinado (entre outras coisas!). Mais informações aqui.
Bando de araras azuis no Pantanal de Mato Grosso. Fotografia de Edson Diniz |
Ao longo dos anos, qual foi o momento que mais te empolgou nestes projeto?
Não poderia escolher um único momento. Sempre fico emocionada em ver araras nascendo e voando dos ninhos artificiais, em ver ninhos que estavam se perdendo e que, graças ao manejo, voltaram a ser viáveis. Enfim, só o fato de ver e ouvir araras na natureza já me empolga. Fico feliz em saber que, além das araras, estamos ajudando a dezenas de outras espécies que compartilham o mesmo habitat que ela. Por exemplo, no caso dos ninhos, tanto naturais como artificiais, temos mais de 21 espécies que ocupam as mesmas cavidades, parece uma verdadeira casa de aluguel! As araras vermelhas, tucanos, gaviões, corujas, pato-do-mato, outros psitacídeos e urubus, são alguns deles. E isso sem falar da intrincada teia de relações com outras espécies como insetos, morcegos, abelhas ... Tudo isso me emociona e me motiva a continuar sempre estudando e ajudando cada vez mais.
Qual é o principal objetivo do programa de voluntariado? Qual perfil de voluntários o Instituto procura? Quais experiências ganham os voluntários?
O voluntariado é uma das formas de proporcionar a disseminação do conhecimento adquirido pelo Instituto Arara Azul, ao mesmo tempo que o voluntário coopera na execução das atividades do Instituto com seu conhecimento, talento e força de trabalho.
Sobre o perfil do voluntário, é importante refletir sobre: o que você gosta de fazer, sua disponibilidade de tempo, o talento que deseja partilhar, entender as motivações e escolher com que público e área gostaria de atuar; sabendo que deve haver uma coerência entre seus valores pessoais e da organização escolhida. É importante, também, compreender que todas as atividades de voluntariado, que são aquelas não remuneradas, apresentam desafios que deve enfrentar no dia a dia, com a mesma responsabilidade de qualquer outra atividade que tenha algum vínculo empregatício e remuneração financeira!
👉Como ser voluntário: anualmente se disponibilizam várias vagas, tanto para estágio como para voluntariado. O número de vagas e períodos variam de acordo com a necessidade da instituição, podendo ser tanto para projetos de pesquisa quanto para atividades de educação ambiental e / ou administrativa do Instituto Arara Azul. Aqui você tem o link de acesso.
Como o leitor pode ajudar/participar dessa organização?
Existem várias formas de interagir com o Instituto Arara Azul, participando e apoiando a execução das suas atividades. A divulgação é uma importante ferramenta para estimular a participação de pessoas e empresas em prol da conservação da biodiversidade. Através do nosso site, é possível acompanhar e escolher como ajudar. Pode escolher entre: compra de produtos, participação na campanha “Adote um Ninho” e patrocínios com várias categorias e valores.
Araras azuis na Fazenda de São Francisco de Perigara. Fotografia de Anderson Warketin. |
Ou seja...
Graças a organizações como o Instituto Arara Azul, esforços de conservação, que à primeira vista pareciam impossíveis, têm sido realizados em todo o mundo.
A perseverança e a paixão pelo trabalho são peças-chave para alcançar resultados neste difícil mundo de conservação. É o que a Dra. Neiva Guedes demonstrou que desde que conheceu estas lindas aves, há 30 anos, tem lutado pelas nossas protagonistas, as araras azuis (ou guacamayo Jacinto).
O trabalho, esforço e dedicação de cada um dos componentes do Instituto tem sido recompensado com grandes resultados: leis de proteção, aumento das populações da arara, redução do seu estado de vulnerabilidade no nível mundial, torná-la conhecida para a população local, ...
Além disso, como a Dra. Guedes mencionou na entrevista, esses trabalhos e projetos não estão ajudando apenas as araras, mas também a muitas outras espécies que compartilham seu habitat. Um exemplo claro é o uso de ninhos onde o Instituto Arara Azul registrou 21 espécies de pássaros (e não falemos dos insetos!).
Ressalta-se que as ações nesse tipo de projeto não devem ser direcionadas exclusivamente à espécie; é importante considerar o meio ambiente. Portanto, a proteção e recuperação do habitat, a disseminação e a educação ambiental são ações que devem ser integradas na hora de se elaborar um plano de conservação. É por isso que é importante o trabalho conjunto de vários grupos: equipes de especialistas interdisciplinares, população local, voluntários, financiadores ...
E o que a gente pode fazer?
Pois bem, para que este trabalho continue é fundamental seguir pesquisando e apoiando os pesquisadores e as organizações que lutam dia após dia. Como? Divulgando o seu trabalho, por exemplo através das redes sociais; colaborando, fazendo estágios, pesquisa ou voluntariado; e doando ou comprando os produtos que oferecem. TODOS podem contribuir com nosso grão de areia. Então me conte…
Você se atreve?😁
Autor
Iria G. Quiroga é bióloga ambiental com especialização em primatologia e educação. Tem colaborado em vários projetos de conservação e educação ambiental na Espanha, Equador, Costa Rica e no Brasil, entre os quais dirigiu e criou o Projecto Saimiri (Equador, 2017), um projeto de reintrodução de macacos-de-cheiro (Saimiri cassiquiarensis). Atualmente, atua como auxiliar de campo do Refauna, instituição que busca restaurar as interações ecológicas em florestas defaunadas por meio da reintrodução de vertebrados (Rio de Janeiro, Brasil).
Fernando Loras Ortí é biólogo e aluno do Mestrado em Biodiversidade em Áreas Tropicais e sua Conservação (Universidad Internacional Menéndez Pelayo, Espanha). Participou de vários projetos de conservação e monitoramento de anfíbios e de educação ambiental na Espanha. Neste verão, ele fez um voluntário de longa duração para monitorar os lagartos vivíparos (Zootoca vivipara), presentes em populações naturais e nos recintos experimentais (Jaca, Espanha).
LinkedIn/Instagram. E-mail: f.loras@posgrado.uimp.es
Alejandro Corregidor Castro é doutorando na Universidade de Padova (Itália), e está trabalhando com LIFE FALKON para entender a distribuição e o movimento do peneireiro-das-torres (Falco naumanni), assim como sua biologia reprodutiva. Ele trabalhou como pesquisador em comportamento social de psitacídeas, monitorando aves marinhas na Dinamarca, e também desenvolvendo um sistema para modificar e estudar a temperatura interna de caixas-ninho de chapim-real.
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